Relator: Desembargador Substituto ALEXANDRE MORAIS DA ROSA
Órgão julgador:
Data do julgamento: 19 de dezembro de 2006
Ementa
AGRAVO – Documento:6878060 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA Agravo de Instrumento Nº 5057036-95.2025.8.24.0000/SC RELATOR: Desembargador Substituto ALEXANDRE MORAIS DA ROSA RELATÓRIO Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo MUNICÍPIO DE JOINVILLE contra decisão proferida nos autos n. 50048889020258240038, nos seguintes termos [ev. 21.1]: O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA ajuizou a presente ação civil pública com pedido liminar em face do MUNICÍPIO DE JOINVILLE e do ESTADO DE SANTA CATARINA, objetivando, em síntese, regularizar a fila de espera do SUS para consultas médicas (iniciais e de retorno) na especialidade otorrinolaringologia.
(TJSC; Processo nº 5057036-95.2025.8.24.0000; Recurso: Agravo; Relator: Desembargador Substituto ALEXANDRE MORAIS DA ROSA; Órgão julgador: ; Data do Julgamento: 19 de dezembro de 2006)
Texto completo da decisão
Documento:6878060 ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Agravo de Instrumento Nº 5057036-95.2025.8.24.0000/SC
RELATOR: Desembargador Substituto ALEXANDRE MORAIS DA ROSA
RELATÓRIO
Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo MUNICÍPIO DE JOINVILLE contra decisão proferida nos autos n. 50048889020258240038, nos seguintes termos [ev. 21.1]:
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA ajuizou a presente ação civil pública com pedido liminar em face do MUNICÍPIO DE JOINVILLE e do ESTADO DE SANTA CATARINA, objetivando, em síntese, regularizar a fila de espera do SUS para consultas médicas (iniciais e de retorno) na especialidade otorrinolaringologia.
Segundo consta, em julho de 2024, a parte autora instaurou o Inquérito Civil n. 06.2024.00003140-6 para averiguar a demora no atendimento da referida especialidade para os usuários do SUS da região de Joinville.
Apesar de reiteradas tentativas extrajudiciais e de alertas quanto à gravidade do problema, não foram tomadas providências suficientes pelos entes públicos para solucionar ou amenizar a situação, havendo, à época do ajuizamento da ação, 3.514 pacientes aguardando consulta com otorrinolaringologista, o mais antigo deles, inscrito na fila em 18.2.2020.
Os réus foram regularmente intimados e apresentaram manifestação sobre o pedido liminar (eventos 10 e 13). O Município de Joinville alegou, em síntese: (a) a inexistência de omissão estatal relevante, sustentando que vem adotando medidas para reduzir o tempo de espera na especialidade; (b) a ausência de urgência ou risco de dano irreparável; e (c) a existência de coisa julgada parcial quanto à obrigação de prestar consultas de retorno, sob a alegação de erro material na inicial. Por sua vez, o Estado de Santa Catarina argumentou: (a) ilegitimidade passiva, por entender que a responsabilidade primária pelo atendimento seria do Município; e (b) inexistência de omissão estatal, sob o fundamento de que presta apoio técnico e financeiro nos limites das diretrizes do SUS.
Sobre essas respostas, o Ministério Público manifestou-se no "Evento 18", reafirmando a urgência da medida pleiteada e impugnando os argumentos expendidos pelos entes públicos.
Destacou o Parquet que, mesmo após mais de sete meses desde o início das tratativas extrajudiciais, a situação permanece alarmante. Em consulta pública recente ao site de transparência, constatou-se a permanência de 2.886 pacientes na fila de espera, inclusive usuários inscritos desde o ano de 2019 — o que, por si só, revela a ineficiência das supostas providências administrativas adotadas pelo Município.
Disse também que a alegação de inexistência de omissão estatal, sustentada pelo Município de Joinville, é contrariada pelos próprios dados apresentados nos autos. Os documentos demonstram que os "esforços" descritos não foram suficientes para controlar, tampouco reduzir, a demanda reprimida.
Apontou que a proposta de prazo de 9 a 12 meses para atendimento é incompatível com o princípio da razoabilidade e viola o direito constitucional à saúde, sobretudo quando há pacientes aguardando há mais de quatro anos.
Quanto à coisa julgada mencionada pelo Município, esclareceu o Ministério Público que a referência à especialidade de pneumologia decorre de mero erro material na petição inicial, sendo certo que toda a demanda refere-se exclusivamente à especialidade de otorrinolaringologia. A alegação, portanto, não altera o objeto da lide, nem invalida os pedidos formulados.
No tocante ao Estado de Santa Catarina, o Órgão Ministerial rejeitou a alegação de ilegitimidade passiva. Conforme jurisprudência consolidada do STF e do STJ, os entes da federação são solidariamente responsáveis pelas ações e serviços de saúde. A repartição de competências é administrativa e não pode ser invocada para afastar o dever constitucional de garantir acesso universal à saúde (CF, art. 23, II e art. 196).
O MP ressaltou, por fim, que a eventual insuficiência de cooperação entre os entes não pode ser oposta ao jurisdicionado.
É o breve relato.
Decido.
Inicialmente, reconheço a legitimidade do Ministério Público para ajuizar a presente demanda, nos termos do art. 129, incisos II e III, da Constituição Federal. Igualmente, é indiscutível a legitimidade passiva do Município de Joinville e do Estado de Santa Catarina, considerando a responsabilidade solidária dos entes federativos na prestação do serviço público de saúde (CF, art. 23, II e art. 196).
Ademais, conforme remansosa jurisprudência, o direito fundamental à saúde é de responsabilidade solidária entre os entes da federação, de modo que a divisão contida no texto constitucional e legislação correlata é meramente administrativa, não afastando o dever de prestação positiva por parte de nenhum dos entes políticos.
No ponto, colhe-se da jurisprudência do :
REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO À SAÚDE. APRESENTAÇÃO DE CRONOGRAMA PARA REALIZAÇÃO DE EXAMES DE ULTRASSONOGRAFIA, RESSONÂNCIA MAGNÉTICA, COLONOSCOPIA, ESOFAGOGASTRODUODENOSCOPIA E VIDEOLARINGOSCOPA COM A FINALIDADE DE REGULARIZAR A FILA DE ESPERA. ILEGITIIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DO ESTADO DE SANTA CATARINA AFASTADA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA ENTRE OS ENTES DA FEDERAÇÃO PARA PROMOÇÃO DO DIREITO À SAÚDE. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODRES NÃO VERIFICADA. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL QUE AUTORIZA O PODER JUDICIÁRIO A INTERFERIR NO ÂMBITO ADMINISTRATIVO. OMISSÃO DA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS VISANDO RESGUARDAR O DIREITO INTEGRAL À SAÚDE DENTRO DO PRAZO RAZOÁVEL. EFETIVAÇÃO DOS PRECEITOS CONSTITUCIONAIS. RESERVA DO POSSÍVEL AFASTADA. SENTENÇA MANTIDA. REMESSA NECESSÁRIA E RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDOS E DESPROVIDOS. (TJSC, Apelação / Remessa Necessária n. 0900133-22.2017.8.24.0052, do , rel. Artur Jenichen Filho, Quinta Câmara de Direito Público, j. 30-03-2021)
Registra-se, ainda, que "a saúde é direito de todos e dever do Estado" (art. 196) e as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, que tem, dentre suas diretrizes, o atendimento terapêutico integral (art. 198).
Em relação aos direitos sociais prestacionais, como o de que ora se cuida, cumpre frisar que, nada obstante se reconheça que vários desses direitos dependem de uma concretização legislativa, as chamadas normas de cunho programático, "todas as normas consagradoras de direitos fundamentais são dotadas de eficácia, e, em certa medida, diretamente aplicáveis já ao nível da Constituição e independentemente de intermediação legislativa" (SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 8.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 313).
Como observa Anderson Rosa Vaz:
O problema que se coloca ante a efetivação desses direitos é que a implementação deles depende de recursos financeiros. [...] Essas ações, sabe-se, dependem de recursos orçamentários” (VAZ, Anderson Rosa. A cláusula da reserva financeira do possível como instrumento de efetivação planejada dos direitos humanos econômicos, sociais e culturais, RDCI, São Paulo: RT, ano 15, n. 61, out-dez/2007, p. 39).
Adiante, citando Jayme Benvenuto Lima Júnior, acrescenta que "a excessiva importância dada aos recursos financeiros, na verdade, tem impossibilitado a realização de muitos direitos humanos, econômicos, sociais e culturais, mediante a acomodação dos estados, nos seus diversos níveis, às situações de vulnerabilidade de amplos setores sociais. O argumento da mera escassez de recursos financeiros, usado com freqüência pelos administradores públicos, resulta na postergação da realização prática dos DHESC."
De outro giro, no que toca à execução orçamentária, cumpre registrar que a própria Constituição Federal admite o contingenciamento de verbas públicas para o atendimento de necessidades supervenientes e inadiáveis (arts. 165 e 167), notadamente quando se trata da concretização de direitos fundamentais.
Assim, não se cogita, no presente caso, de afronta à legalidade orçamentária, especialmente diante da magnitude do bem jurídico tutelado. A garantia do direito à saúde, consagrado na Constituição Federal, não pode ser inviabilizada por entraves meramente formais ou pela inércia administrativa na alocação de recursos.
Estabelecidos esses pressupostos, tenho que é caso de atender o pleito ministerial, pois é possível observar que a administração municipal não tem se planejado satisfatoriamente para atender a uma demanda que se mostra crescente.
Com efeito, os elementos constantes nos autos evidenciam uma situação de mora administrativa prolongada e injustificável. A persistência de fila de espera superior a quatro anos para uma consulta médica especializada em otorrinolaringologia revela omissão estatal manifesta, em afronta aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da eficiência administrativa.
Mesmo após a instauração de inquérito civil, em julho de 2024, e passados mais de sete meses de tratativas extrajudiciais, observa-se que o cenário não apenas se manteve, como demonstra estagnação no enfrentamento da demanda reprimida.
Consulta recente ao site oficial de transparência confirma que há 2.886 pacientes adultos ainda aguardando consulta, muitos deles desde o ano de 2019. Trata-se de situação que, além de desumana, representa violação a preceitos mínimos de razoabilidade e proporcionalidade no acesso ao sistema público de saúde.
A justificativa genérica da municipalidade quanto aos impactos da pandemia e de surtos sazonais como o da dengue tampouco merece ser acolhida. A crise sanitária causada pela COVID-19, ainda que tenha gerado reflexos temporários (destaco, neste ponto, que a OMS declarou o fim da Emergência em Saúde Pública em 5.5.2023), não justifica omissão prolongada nem pode servir de fundamento para perpetuar falhas estruturais no sistema local de regulação de consultas. Tais fenômenos, por não serem recentes ou mesmo imprevisíveis, já integravam o horizonte de planejamento das políticas públicas de saúde.
Registra-se também, conforme mencionado pelo Ministério Público, que o Termo de Compromisso da Pactuação Programada Integrada para Joinville abrange, além do próprio Município, os Municípios de Balneário Barra do Sul, Garuva, Itapoá e São Francisco do Sul, o que confere maior gravidade à omissão verificada, dada a amplitude da população prejudicada.
A alegação de ausência de urgência, portanto, não se sustenta. A demora na atenção especializada implica não apenas sofrimento e angústia para os pacientes, mas potencial evolução do quadro clínico e agravamento das doenças não tratadas, de modo que a estimativa de nove meses apresentada pelo Município não se mostra minimamente razoável.
Com efeito, impõe-se o dever de agir em face de normas vinculantes, que exigem atuação imediata dos entes públicos para a tutela de direito fundamental, de forma a preservar a saúde dos usuários da rede pública de saúde, com um mínimo de previsibilidade de atendimento e evitar maior incremento do número de pacientes e do tempo de espera para diversos serviços.
Ademais, aguardar-se até o final desta demanda, para se impor qualquer medida voltada a prestação tempestiva de serviços públicos de saúde, seria extremamente temerário na medida em que, até o provimento final, há crescente risco de agravamento exponencial da incomensurável fila de espera atual.
Por outro lado, parece-me que as ponderações apresentadas pelo Ministério Público encontram respaldo na atual jurisprudência e mostram-se adequadas à urgência do caso concreto, sem, por outro lado, comprometer significativamente a gestão administrativa ou impor ônus inexequível sobre os entes demandados.
Nesse passo, destaco o Enunciado n. 93, do FONAJUS, o qual dispõe que "Nas demandas de usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) por acesso a ações e serviços de saúde eletivos previstos nas políticas públicas, considera-se inefetiva essa política caso não existente prestador na rede própria, conveniada ou contratualizada, bem como a excessiva espera do paciente por tempo superior a 100 (cem) dias para consultas e exames, e de 180 (cento e oitenta) dias para cirurgias e tratamentos." (Redação dada na VI Jornada de Direito da Saúde - 15.06.2023) (grifei)
No mesmo rumo, em situação análoga, o já se manifestou no Agravo de Instrumento n. 5009017-68.2019.8.24.0000, do qual extraio o seguinte excerto:
[...]
Quanto à tese de ser "impossível zerar a fila do SUS" (fls. 3, 4 e 5, da inicial deste recurso), sobretudo pela demanda ser contínua, cumpre ressaltar que a decisão não ordenou essa medida, mas sim a realização, no prazo de 120 (cento e vinte) dias, as consultas e procedimentos daqueles que aguardassem na fila de espera há mais de 60 (sessenta) dias. O prazo concedido, ao contrário do alegado pelo ora agravante, mostrou-se razoável diante da urgência da demanda, sobretudo em vista do descaso atestado pelos dados relativos às filas de espera trazidos na exordial. Ademais, o próprio Município afirmou ter realizado procedimento para a contratação de empresa especializada em prestação de serviços de consultas com médicos especialistas, o que reforça à conclusão de que o prazo foi adequado.
[...]
(TJSC, Agravo de Instrumento n. 5009017-68.2019.8.24.0000, do , rel. Denise de Souza Luiz Francoski, Quinta Câmara de Direito Público, j. 22-02-2022).
Aliás, o já se debruçou sobre a questão em outras oportunidades, das quais destaco ainda os seguintes precedentes:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO EM FACE DO ESTADO DE SANTA CATARINA E DO MUNICÍPIO DE JOINVILLE. REGULARIZAÇÃO DA FILA DE ESPERA DO SUS PARA CONSULTAS MÉDICAS (INICIAIS E DE RETORNO) NA ESPECIALIDADE DE PNEUMOLOGIA. DECISÃO FAVORÁVEL. RESISTÊNCIA DO ESTADO. SUSPENSÃO DESTE PROCESSO ATÉ O JULGAMENTO DA REPERCUSSÃO GERAL, REFERENTE AO TEMA 698/STF, LEADING CASE RE 684.612. IMPOSSIBILIDADE, DIANTE DA AUSÊNCIA DE DETERMINAÇÃO POR PARTE DA CORTE SUPERIOR NESTE SENTIDO. TESES DE INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO DO ESTADO E DE TEMPO EXÍGUO PARA CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO. IMPROPRIEDADE. SITUAÇÃO QUE PERDURA HÁ QUASE 5 ANOS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO ENTE ESTADUAL. SAÚDE QUE É CONSIDERADA DIREITO DE TODOS E DEVER DO ESTADO MEDIANTE POLÍTICAS SOCIAIS E ECONÔMICAS, SENDO DIREITO FUNDAMENTAL PREVISTO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, O QUE AUTORIZA A INTERVENÇÃO DO JUDICIÁRIO E AFASTA A APONTADA OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES E A RESERVA DO POSSÍVEL. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. (TJSC, Agravo de Instrumento n. 5011385-11.2023.8.24.0000, do , rel. Sérgio Roberto Baasch Luz, Segunda Câmara de Direito Público, j. 22-08-2023).
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEMANDA REPRIMIDA PARA CONSULTAS MÉDICAS NA ESPECIALIDADE DE PNEUMOLOGIA (3.475, NO MOMENTO DO AJUIZAMENTO DA AÇÃO). DECISÃO QUE DETERMINA A REALIZAÇÃO DE TODAS AS CONSULTAS, PARA TODOS OS PACIENTES QUE JÁ SE ENCONTRAM EM FILA DE ESPERA HÁ MAIS DE 6 MESES. RESISTÊNCIA DO MUNICÍPIO DE JOINVILLE. PEDIDO DE SUSPENSÃO DO TRÂMITE DESTE PROCESSO ATÉ O JULGAMENTO DA REPERCUSSÃO GERAL DO TEMA 698/STF. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE DETERMINAÇÃO POR PARTE DA CORTE SUPERIOR NESTE SENTIDO. TESES DE AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA OMISSÃO DO ENTE PÚBLICO, DE ENFRENTAMENTO DA PANDEMIA DE COVID-19 E NECESSIDADE DE ELASTECIMENTO DO PRAZO, NÃO ACOLHIDAS. DIREITO FUNDAMENTAL A SAÚDE RESGUARDADO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. (TJSC, Agravo de Instrumento n. 5004151-75.2023.8.24.0000, do , rel. Sérgio Roberto Baasch Luz, Segunda Câmara de Direito Público, j. 04-07-2023).
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SAÚDE. OBRIGAÇÃO DE FAZER. REGULARIZAÇÃO DE ATENDIMENTO POR MÉDICO PSIQUIATRA. PACIENTES NA FILA DE ESPERA POR LONGO PRAZO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DO MUNICÍPIO.
PERDA SUPERVENIENTE DO OBJETO, ANTE A ADOÇÃO DE MEDIDAS ADMINISTRATIVAS. TESE ARREDADA. REALIZAÇÃO DE MUTIRÕES DE ATENDIMENTO QUE SE MOSTRARAM INSUFICIENTES. PACIENTES QUE SE ENCONTRAVAM NA FILA DE ESPERA A MAIS DE 01 (UM) ANO. DEMORA EXCESSIVA. DIREITO CONSTITUCIONAL À SAÚDE. DECISUM MANTIDO.
DILAÇÃO DO PRAZO PARA O CUMPRIMENTO DAS DETERMINAÇÕES. PLEITO RECHAÇADO. LAPSO CONCEDIDO, QUE SE AFIGURA SUFICIENTE E RAZOÁVEL.
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJSC, Apelação n. 5000512-89.2021.8.24.0074, do , rel. Bettina Maria Maresch de Moura, Terceira Câmara de Direito Público, j. 06-09-2022).
A jurisprudência do reconhece, inclusive, a possibilidade de fixação de prazos concretos para atendimento de filas do SUS, como forma de resguardar a eficácia do direito à saúde e compelir o Estado à implementação de políticas públicas efetivas.
O risco de irreversibilidade dos danos à saúde justifica a atuação jurisdicional imediata, em sede de tutela de urgência, conforme previsão do art. 300, caput e § 3º, do Código de Processo Civil.
Posto isso, pelas razões acima invocadas, DEFIRO o pedido de tutela de urgência formulado pelo Ministério Público, para DETERMINAR que os réus, no prazo de 120 (cento e vinte) dias:
1) Realizem todas as primeiras consultas de otorrinolaringologista dos usuários do SUS da região de Joinville que estejam na fila há mais de 180 dias, apresentando plano de execução contendo a estratégia que será utilizada para viabilizar os atendimentos;
2) Mantenham fluxo de atendimento máximo de 180 dias para os pacientes que ingressarem na fila após a presente decisão;
3) Realizem as consultas de retorno na especialidade de otorrinolaringologia conforme os prazos definidos pelos profissionais médicos, nos termos da Resolução CFM n. 1.958/2010.
CITEM-SE os réus.
Com as respostas, DÊ-SE vista ao Ministério Público para manifestação.
Intime-se.
Razões recursais [ev. 1.1]: alega a parte agravante que [a] a intervenção judicial neste caso é indevida, porquanto apresentado plano de medidas para solucionar o problema da longa espera nas filas de consulta médica [otorrinolaringologista] e [b] o prazo determinado na decisão para o cumprimento da obrigação é exíguo.
Decisão - efeito suspensivo/antecipação de tutela [ev. 6.1]: indeferiu o requerimento da parte agravante.
Contrarrazões [ev. 14.1]: postula pelo desprovimento do agravo.
Parecer da Procuradoria-Geral de Justiça [ev. 20.1]: opina pelo parcial provimento do recurso somente para se excluir as consultas de retorno de pacientes do prazo mínimo arbitrado na decisão judicial.
É o relatório.
VOTO
1. ADMISSIBILIDADE
O recurso já foi conhecido na decisão do ev. 6.1.
2. MÉRITO
O caso em análise contempla longa fila de espera no Sistema Único de Saúde para atendimento com otorrinolaringologista no Município de Joinville.
O Ministério Público ajuizou ação civil pública com pedido de tutela de urgência. O pleito foi deferido e culminou nas seguintes obrigações imediatas [ev. 1.1/origem, p. 21 e ev. 21.1/origem]:
[a] No prazo que se julga razoável de 120 dias, realizem todas as primeiras consultas de otorrinolaringologista dos usuários do SUS da região de Joinville inseridos nas respectivas filas de espera que aguardam há mais de 180 dias;
[b] Mantenham fluxo de atendimento de no máximo de 180 dias para os novos pacientes que ingressaram na referida fila;
[c] Promovam a realização das consultas de retorno em "Otorrinolaringologista" nos prazos definidos pelos médicos, conforme Resolução n. 1.958/2010/CFM.
Notadamente, a quantidade de otorrinolaringologistas disponibilizada pelo Poder Público Municipal de Joinville não atende adequadamente a demanda.
O contexto da fila de espera, por si só, não é suficiente para justificar a concessão liminar das medidas almejadas pelo autor da ação/agravado. Mas, o caso apresenta peculiaridades que apontam para a gravidade extraordinária da situação.
Segundo o aparato probatório, a lista de espera para agendamento de atendimento com otorrinolaringologista na região de Joinville conta com 3.514 pacientes adultos, alguns deles inseridos ainda em 2020.
Há situação específica cujo período de espera concreto — não estipulado — superou quatro anos após a data do requerimento da consulta. O quadro clínico de referido paciente piorou a ponto de repercutir na classificação de urgência do atendimento. A consulta, que antes não era classificada como urgente, passou a ser "prioridade 1". Esperava-se, desse modo, a realização da providência de saúde com brevidade. Isso não aconteceu. Nem mesmo o impacto negativo da espera nas condições de saúde deste paciente conseguiu evitar sua colocação na posição n. 354 em longa fila de espera. O paciente prioritário continuou aguardando atendimento [ofício de ev. 1.11].
O controle jurisdicional de políticas públicas, ainda mais em fase de cognição sumária, legitima-se na hipótese de inescusável omissão do Poder Público na sua efetivação.
O contexto acima narrado configura comportamento omissivo que justifica a intervenção judicial para imposição de obrigação de fazer por parte da Administração Pública. O caso parece extremo, no qual a omissão pode ser interpretada como verdadeiro abuso de direito.
Identificada a violação de direitos fundamentais – especialmente, o direito à saúde –, por omissão do Poder Público na execução de política pública correlata, autoriza-se a excepcional intervenção do Para completar, a tutela de urgência, atualmente, não parece imposição de um remanejamento orçamentário considerável que poderá vir em detrimento de outras atividades.
A parte agravante asseverou, no ofício n. 0024227023/2025[ev. 1.82/origem, p. 4], que a rede de saúde dispõe de capacidade para prestar atendimento a toda a demanda existente em Joinville no prazo médio de nove meses. A possibilidade, segundo afirmado pelo próprio agravante, aproxima-se do estipulado na redação original da Recomendação n. 003/2024 proposta pelo Ministério Público:
A informação foi ratificada no ofício n. 0024211706/2025 [ev. 13.3/origem]:
Verifica-se, assim, a possibilidade do cumprimento das medidas pelo Município que, consigna-se, não se confunde com o esgotamento da fila de atendimento. Em avaliação inicial de cunho pragmático, o curso de ação estabelecido na origem é exequível, ou seja, realizável no espectro ordinário das atividades municipais.
É preciso, porém, excluir do prazo estabelecido no item 3 da decisão de ev. 21.1/origem as consultas de retorno de pacientes que dependem da realização prévia de exames de saúde para o diagnóstico completo.
Isso porque, conforme bem observado pela Procuradora de Justiça Thais Cristina Scheffer no parecer de ev. 20.1:
Conforme apontou o Agravante, algumas consultas de retorno dependem da prévia realização de exames sujeitos às suas próprias filas, que contemplam outras especialidades e, por vezes, são compartilhadas por todos os usuários do sistema estadual de saúde pública. Logo, não é possível que por decisão na presente ação, voltada apenas aos atendimentos em otorrinolaringologia no Município de Joinville, se impacte sobre objeto diverso, para conferir indevida 'preferência' a eventuais exames, em detrimento dos demais usuários do SUS que aguardam nas regulares filas. Dessa forma, apesar de ser necessária celeridade nos retornos, o comando judicial quanto a prazo - dada a causa de pedir exposta na exordial - deve se limitar à realização a retorno simples, não vinculados ou dependentes de exames ou procedimentos com fluxos alheios ao objeto da demanda.
De fato, alguns retornos médicos dependem de exames que seguem filas próprias, compartilhadas por outras especialidades e usuários do SUS.
Assim, para evitar que a decisão judicial interfira indevidamente em áreas distintas das consultas de otorrinolaringologia, bem como para impedir que determinados pacientes recebam atendimento com prioridade injustificada, o prazo fixado no item 3 da decisão impugnada [ev. 21.1/origem] deve restringir-se somente às consultas de retorno simples, excluindo-se aquelas que dependem da realização de exames fora do escopo da demanda.
Dispõe o item 3 da decisão de deferimento do pedido de tutela de urgência [ev. 21.1/origem]:
3) Realizem as consultas de retorno na especialidade de otorrinolaringologia conforme os prazos definidos pelos profissionais médicos, nos termos da Resolução CFM n. 1.958/2010.
Nesse ponto, portanto, é preciso acrescentar a ressalva de inaplicabilidade do prazo quanto aos pacientes que dependem de exames externos ao objeto da demanda.
As demais determinações da decisão impugnada permanecem, inclusive o prazo para cumprimento da obrigação principal [itens 1 e 2] que, no contexto dos autos, mostra-se razoável.
Vale registrar que as tratativas extrajudiciais para resolver a extrema omissão municipal começaram há mais de um ano, o que demonstra que a parte agravante não foi surpreendida pela exigência de medidas mais eficientes para suprir a demanda de saúde.
O próprio agravante, ademais, confirmou a possibilidade do atendimento dos pacientes que estão na fila há mais de 180 dias [ev. 1.2/origem].
Por fim, quanto ao pedido subsidiário de divisão das atribuições dos entes federativos no âmbito do SUS, ressalta-se que o ressarcimento, se efetivamente cabível, deve ser buscado por meio de ação própria ou via administrativa.
Nada impede que o Município adote as medidas administrativas ou judiciais [em sede de liquidação] que entenda adequadas para promover a repartição/ressarcimento dos valores dispendidos, desde que a providência não faça parte de suas obrigações institucionais definidas pelos estatutos administrativos que regem a questão.
3. DISPOSITIVO
Por tais razões, voto por conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento para excluir do item 3 da decisão [obrigação de consultas de retorno na especialidade de otorrinolaringologia nos prazos definidos pelos profissionais médicos] aqueles pacientes que dependem de exames externos ao objeto da demanda.
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Agravo de Instrumento Nº 5057036-95.2025.8.24.0000/SC
RELATOR: Desembargador Substituto ALEXANDRE MORAIS DA ROSA
EMENTA
ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. direito à saúde. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEMORA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE SAÚDE. consultas DE OTORRINOLARINGOLOGIA. deferimento da tutela na origem. recurso do município. defendida INTERVENÇÃO JUDICIAL INDEVIDA. COMPORTAMENTO DILIGENTE QUANTO À POLÍTICA PÚBLICA ABORDADA. FALTA DE OMISSÃO municipal REITERADA. SUBSTRATO PROBATÓRIO, contudo, que demonstra NEGLIGÊNCIA EXTREMA. FILA DE ESPERA COM MAIS DE 3.500 PACIENTES, ALGUNS AGUARDANDO DESDE 2019. OMISSÃO CONFIGURADA. RECORTE PARTICULAR QUE RECOMENDA A IMPOSIÇÃO DA OBRIGAÇÃO DE atendimentos. prazo razoável, ademais, para suprir a demanda. ressalva específica quanto às consultas de retorno. alternação da decisão no ponto. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Câmara de Direito Público do decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso e dar-lhe parcial provimento para excluir do item 3 da decisão [obrigação de consultas de retorno na especialidade de otorrinolaringologia nos prazos definidos pelos profissionais médicos] aqueles pacientes que dependem de exames externos ao objeto da demanda, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 11 de novembro de 2025.
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Extrato de Ata EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL - RESOLUÇÃO CNJ 591/24 DE 11/11/2025 A 11/11/2025
Agravo de Instrumento Nº 5057036-95.2025.8.24.0000/SC
RELATOR: Desembargador Substituto ALEXANDRE MORAIS DA ROSA
PRESIDENTE: Desembargador HÉLIO DO VALLE PEREIRA
PROCURADOR(A): ONOFRE JOSE CARVALHO AGOSTINI
Certifico que este processo foi incluído como item 124 na Pauta da Sessão Virtual - Resolução CNJ 591/24, disponibilizada no DJEN de 27/10/2025, e julgado na sessão iniciada em 11/11/2025 às 00:00 e encerrada em 11/11/2025 às 13:48.
Certifico que a 5ª Câmara de Direito Público, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO DECIDIU, POR UNANIMIDADE, CONHECER DO RECURSO E DAR-LHE PARCIAL PROVIMENTO PARA EXCLUIR DO ITEM 3 DA DECISÃO [OBRIGAÇÃO DE CONSULTAS DE RETORNO NA ESPECIALIDADE DE OTORRINOLARINGOLOGIA NOS PRAZOS DEFINIDOS PELOS PROFISSIONAIS MÉDICOS] AQUELES PACIENTES QUE DEPENDEM DE EXAMES EXTERNOS AO OBJETO DA DEMANDA.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Substituto ALEXANDRE MORAIS DA ROSA
Votante: Desembargador Substituto ALEXANDRE MORAIS DA ROSA
Votante: Desembargador HÉLIO DO VALLE PEREIRA
Votante: Desembargadora DENISE DE SOUZA LUIZ FRANCOSKI
ANGELO BRASIL MARQUES DOS SANTOS
Secretário
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